Lei do Feminicídio completa dez anos em meio a aumento das mortes de mulheres

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Foto: Câmara dos Deputados

Ao completar dez anos, a chamada Lei do Feminicídio continua mais necessária do que nunca. Ano após ano os órgãos de segurança pública registram novos aumentos dos casos de morte de mulheres unicamente devido à condição de gênero. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2023 para 2024 houve um crescimento de 0,8% dos casos de feminicídio. No biênio anterior, o aumento foi de 6,1%.

Nos últimos anos, o feminicídio tem se tornado uma questão de saúde pública, refletindo não apenas a violência física, mas também a psicológica que antecede esses crimes. Estudos mostram que a maioria das mulheres assassinadas havia sofrido algum tipo de abuso previamente, o que leva à necessidade de formas de intervenção mais eficazes e humanizadas, que vão além da punição e busquem a restituição dos direitos das vítimas.

A discrepância nos índices de violência é alarmante e indica uma falha sistêmica na proteção das mulheres. Para compreender melhor essa situação, é importante analisar os fatores socioeconômicos que contribuem para o aumento do feminicídio, como a desigualdade de gênero, a falta de oportunidades e a cultura de machismo enraizada na sociedade brasileira.

A lei não apenas criminaliza o feminicídio, mas também busca conscientizar a sociedade sobre a gravidade do problema. Campanhas educativas são essenciais para informar a população sobre os sinais de alerta de relacionamentos abusivos e a importância de buscar ajuda. Em muitos casos, as vítimas não conseguem identificar que estão em um ciclo de violência, e a educação pode desempenhar um papel crucial na prevenção.

Além disso, a relatora também enfatiza a importância da interseccionalidade ao abordar a violência contra a mulher. As mulheres negras, indígenas e de baixa renda enfrentam taxas ainda mais altas de feminicídio, muitas vezes devido à intersecção de múltiplas formas de discriminação. Portanto, políticas públicas precisam ser adaptadas para atender às necessidades específicas dessas populações vulneráveis.

As estatísticas sobre a violência de gênero também revelam que uma parte significativa das mulheres assassinadas havia denunciado previamente as agressões, mas não receberam a proteção adequada. Isso destaca a importância de um sistema de justiça que não apenas penalize os agressores, mas que também proteja as vítimas de retaliações, garantindo que elas possam se sentir seguras ao denunciarem seus agressores.

As mudanças culturais mencionadas são um passo fundamental na luta contra o feminicídio. A educação e a conscientização desde a infância podem ajudar a moldar uma nova geração que valoriza a igualdade de gênero e respeita os direitos das mulheres. Programas em escolas e comunidades que promovem a igualdade e o respeito são essenciais para mudar a narrativa em torno da violência de gênero.

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos, por exemplo, tem promovido debates que buscam trazer à tona a importância de se criar um ambiente que proteja as mulheres e que incentive a denúncia. Casos de sucesso em outros países que conseguiram reduzir os índices de feminicídio através de políticas inclusivas podem servir de modelo para o Brasil.

Além de punições severas, é fundamental que haja um suporte psicológico e social disponível para as vítimas. As casas-abrigo, por exemplo, devem ser bem estruturadas e equipadas para oferecer acolhimento e apoio às mulheres que buscam escapar de relações abusivas. A criação de redes de apoio comunitário também é crucial para fortalecer a autonomia das mulheres e ajudá-las a reconstruir suas vidas.

Por fim, é importante que a sociedade civil participe ativamente da luta contra o feminicídio. O ativismo e a organização de movimentos sociais têm um papel vital na mudança de percepções e na pressão por políticas públicas mais eficazes. Mobilizações e campanhas de conscientização ajudam a manter o tema em evidência e a pressionar o governo a agir decisivamente para combater essa epidemia de violência.

E esse crescimento dos assassinatos de mulheres somente pelo fato serem mulheres vai na contramão dos outros índices de violência. Entre 2023 e 2024, os demais casos de mortes violentas intencionais, por exemplo, caíram 3,4%. No período anterior, a queda tinha sido de 2,2%.

Em vigor desde março de 2015, a Lei do Feminicídio nasceu de um projeto apresentado pela comissão parlamentar de inquérito do Senado que investigou a violência contra a mulher no Brasil. Além de qualificar o crime de feminicídio, a norma classifica esse delito como hediondo.

As penas previstas na Lei do Feminicídio também devem ser acompanhadas por um monitoramento eficaz. É essencial que haja acompanhamento sobre a aplicação das penas e se elas estão, de fato, sendo implementadas conforme a lei. Mecanismos de controle social podem ajudar a assegurar que os direitos das mulheres estejam sendo respeitados e que os agressores sejam responsabilizados por seus atos.

Por último, é necessário um empenho conjunto de diferentes setores do governo, incluindo saúde, educação e segurança pública, para enfrentar a violência contra a mulher de forma integral. Iniciativas que promovam a intersetorialidade são essenciais para garantir que as mulheres tenham acesso a todos os recursos e suporte necessários para sua proteção e recuperação.

Na opinião da relatora do texto na Câmara, deputada Maria do Rosário (PT-RS), um dos principais resultados da lei foi “demonstrar a epidemia de violência contra a mulher que existe no Brasil”. Antes da entrada em vigor da norma, a parlamentar ressalta que os dados sobre mortes de mulheres ficavam todos misturados.

“Hoje a gente identifica que a violência contra a mulher é específica. Identificamos também que o feminicídio é o ápice da violência, isso vai num crescendo na vida dela, vai desde a violência psicológica, física, patrimonial, sexual até chegar no feminicídio. Ou seja, é um processo que tem que ser rompido”, diz.

Mudanças culturais

Maria do Rosário ressalta que, em 2024, 37,5% das brasileiras sofreram alguma forma de violência – física, psicológica ou sexual –, o que corresponderia a 27 milhões de mulheres. Na opinião da deputada, interromper esse ciclo de violência depende de uma série de fatores.

Dentre eles, a parlamentar ressalta não só a adoção de penas mais duras para os agressores, mas a necessidade de cumprimento da lei, de forma que os criminosos sejam efetivamente punidos. Além disso, Maria do Rosário advoga a urgência de mudanças culturais.

“Há grupos que fazem elogio a homens violentos. É preciso mudar essa cultura através das estruturas escolares, universitárias, das unidades de saúde, um conjunto de políticas tem de fazer com que os homens reflitam sobre aderirem à violência contra a mulher como algo natural, intergeracional, que não está sendo rompido. Mesmo homens das novas gerações seguem, muitas vezes, sendo violentos e tendo sobre a mulher um desrespeito e uma dimensão de posse, como se ela não pudesse decidir a sua própria vida”, explica.

A deputada aponta também que muitos casos de feminicídio acontecem quando a mulher está rompendo com esse relacionamento abusivo.

Políticas públicas, como delegacias mais bem equipadas e sistema de Justiça que não julgue a mulher que denuncia violência, também são fundamentais no combate às agressões, na opinião de Maria do Rosário.

Penas
A Lei do Feminicídio prevê reclusão de 20 a 40 anos para os assassinos de mulheres. Além disso, estabelece uma série de agravantes para o crime, que podem resultar em aumento de um terço até a metade da pena.

São considerados agravantes cometer o crime contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos, durante a gravidez da mulher ou nos três meses posteriores ao parto. Se a vítima for uma pessoa com deficiência ou o crime ocorrer na presença dos filhos dela, a punição também aumenta na mesma proporção.

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